A TRISTEZA TUCANA E A POLÍTICA DA INFELICIDADE

Bicicleteiros
5 min readFeb 19, 2020

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No final de janeiro de 2017, o então recém empossado prefeito de São Paulo João Dória mandou apagar os grafites coloridos que adornavam 2 quilômetros da Avenida 23 De Maio. O ato foi a sua primeira grande infelicidade no cargo, e abalou seriamente a popularidade conquistada meses antes nas urnas.

Foi feio de dar dó. As cenas lamentáveis dos jatos de tinta cinza apagando as artes coloridas nos muros, pintados ainda no ano anterior, davam tristeza até em quem pouco admirava o talento dos grafiteiros paulistanos, reconhecidos mundialmente. Assim, de um dia para o outro, aquela avenida expressa, cinza de asfalto, cinza de carros, cinza de poluição, perdia o mínimo da alegria lhe restava. Não há lugar mais triste no mundo do que uma via expressa em São Paulo.

Cidade Cinza (Marcelo S. Camargo/FramePhoto/Folhapress)

A pataquada, motivada pelo mais burro antagonismo partidário de nossos tempos, não pegou bem. O dublê de prefeito, lobista, burguês improdutivo e apresentador de TV das madrugadas, movido diariamente pela necessidade de estar na mídia, sentiu o golpe. Mas espertinho que é, deu seus pulinhos e encontrou uma rápida resposta: transformar a área que abrigava os grafites em um jardim vertical, com plantas no lugar das artes! Claro, tudo feito com doações de empresários amigos a serem debitadas como compensação ambiental de obras de impacto viário. Sua claque neoliberal adorou.

(Arquivo SVMA)

Especialistas até avisaram que esse tipo de jardim não era um bom negócio. A manutenção dessas estruturas é cara, e o gasto com energia para irrigação de plantas não enraizadas ultrapassa e muito o ganho ambiental fornecido pelas plantinhas. Não era amor, era cilada. Três anos depois, a empresa que se responsabilizou pela manutenção do jardim desistiu do projeto e a conta caiu no nosso colo: 100 mil reais de prejuízo mensal aos cofres públicos, e o que um dia eram paredões verdes virou um cemitério de plantas secas, mortas. O que tem pra hoje na Avenida 23 de Maio é somente a natureza morta e das pessoas trancadas em seus carros no trânsito.

(André Porto/Metro)

A tristeza de ficar preso e parado dentro de um trambolho metálico sempre se contrastou com o ato libertador de andar de bicicleta. A liberdade de ir e vir, devagar e sempre, gratuitamente, sentindo o vento na cara, curtindo o prazer de movimentar seu corpo através da própria energia e ainda chegar antes de todos sempre foi um contraponto à triste cultura do automóvel, glorificada pela elite branca tucana, eleita gritando “Acelera”. A redenção de ocupar o espaço público de forma livre e democrática ofende muita gente. Ofende especialmente o grupo que dominante, carrocratas que são, passaram a fazer de tudo para dificultar ao máximo o simples ato de pedalar. Novamente motivada pelo antagonismo burro, a gestão do Acelera passou os últimos anos infernizando a vida do ciclista: apagando ciclofaixas sem aviso, negligenciando sua manutenção, retirando a cor vermelha das ciclofaixas existentes (trocando pelo indefectível cinza tucano) e ativamente bloqueando a implantação de novas ciclovias. Aos motoristas dos tristes carros descoloridos da elite branca, tome aumento de velocidade, novas vias, menos radares, mais espaço. A quem anda de bicicleta, veículo de segunda classe, intruso no espaço público, resta-lhes a morte. Literalmente.

Ciclofaixa da rua Amarilis, no Morumbi, apagada pela prefeitura em 2017

Nem as inocentes pedaladas de domingo sobreviveram à política da tristeza. As chamadas ciclofaixas de lazer, programa de enorme sucesso que desde 2009 colocava semanalmente ciclofaixas temporárias em mais de 120km da cidade, perderam seu patrocínio e sumiram abruptamente. Cientes da descontinuidade, a prefeitura não fez nenhum esforço real para mantê-lo em funcionamento. As famílias, crianças e ciclistas iniciantes que tinham um espaço semanal para um passeio, perderam tudo para os carros e ficou por isso mesmo até, quem sabe, a carrocracia fazer uma caridade.

(Ivson Miranda)

As pedaladas de domingo também foram responsáveis por um outra nova tradição da cidade, a Paulista Aberta. Implantada em 2015 no esteio da inauguração da ciclovia da Avenida Paulista, o fechamento planejado inicialmente para acomodar os milhares de ciclistas que foram conhecer a nova ciclovia se transformou em um sucesso imediato para uma maravilhosa ocupação cidadã da avenida mais icônica da cidade. Entre muita música, arte, crianças, bambolês, bicicletas, artesanato, manifestações, a Paulista Aberta imediatamente viu a alegria dos espaços livres do medo constante da velocidade e provou o tamanho da estupidez que é entregar o espaço público aos carros.

"Irritante" (Heloisa Ballarini/Secom)

Menos para José Serra, o mal humorado ex-prefeito tucano, que disse achar o fechamento “irritante”, assim como o carnaval de rua da cidade.

Em fevereiro de 2020, a gestão do Acelera, agora nas mãos infantis do menino Bruno Covas, anunciou que a Paulista não será aberta por 3 domingos. O motivo? O Carnaval de São Paulo, a festa que na gestão de Fernando Haddad pulou de míseras 43 atrações em 2013 para 644 neste ano, se transformando numericamente no maior evento do país.

Não precisava fechar a Paulista, pois o que mais São Paulo tem são vias para absorver o tráfego de domingo. O que ofende mesmo um tucano são as ruas lotadas de pessoas, não de carros, usando a rua para serem feliz num espaço que foi reservado para o triste uso de poucos.

(Renato S. Cerqueira/Futura Press)

A 23 de Maio, aquela via expressa que foi pintada de cinza e hoje é espaço de plantas secas, também virou parte do circuito, e durante o carnaval ela finalmente chegou a ser ocupada por gente feliz. Nesse ano não.

Mas apesar dos tucanos e bolsodórias, as cores e a tristeza não passará.

https://www.youtube.com/watch?v=nDvIGkymXFI

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