Na corrida pelo voto fácil, o asfalto passa e o ciclista é esquecido

Bicicleteiros
3 min readMar 2, 2020

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Tapar buracos sem modernizar o desenho viário é jogar uma oportunidade na sarjeta

A Avenida Corifeu de Azevedo Marques, no Butantã, Zona Oeste de São Paulo, acabou de ter todo o seu corredor direito inteiramente recapeado pela Prefeitura. A obra, feita em ambos os sentidos, é até bem vinda, pois o estado das faixas estava realmente deplorável e prejudicava tanto o transporte coletivo quanto os ciclistas que ali pedalam. Nos próximos meses, dezenas de outras avenidas passarão por manutenção semelhante — aliás, nada mais clichê da velha política do que querer mostrar serviço asfaltando vias em ano de eleição, não é mesmo?

Cabe ou não cabe uma ciclofaixa aqui?

O problema dessas intervenções é que a Prefeitura não pretende aproveitar a empreitada (que não é barata) para atualizar o desenho da avenida, implantando uma ciclofaixa ou ciclovia. Espaço não falta, e seria perfeitamente possível fazê-la inclusive sem a retirada de faixas de rolamento, portanto sem prejuízo para a sagrada fluidez dos veículos poluentes. Uma ciclovia no corredor Vital Brasil/Corifeu, uma via plana de tráfego intenso, seria de enorme importância para a segurança dos ciclistas de muitos bairros da Zona Oeste. Não são poucos os trabalhadores e estudantes que gostariam de pedalar até o centro expandido e não o fazem por medo de trafegar na Corifeu. Por isso esta é uma reivindicação histórica dos ciclistas da região, e a prefeitura já sabe disso desde as oficinas temáticas promovidas pela CET em 2018 para a elaboração do plano cicloviário divulgado e até agora não executado.

Argumentos técnicos não faltam: os relatórios divulgados pela própria Prefeitura comprovam que nas vias onde há ciclovias ou ciclofaixas os acidentes caem drasticamente, não só das bicicletas, mas de todos os modais. Ou seja, a estrutura cicloviária pacifica as ruas, para o benefício de todos. Ciclistas já sabemos que são muitos: somente na Ponte Eusébio Matoso, que também tem uma ciclopassarela já aprovada pela bilionária Operação Urbana Faria Lima, passam diariamente mais de 1100 ciclistas somente em horário de trabalho. Isso sem absolutamente nenhuma segurança, imagine quando houver.

Mas infelizmente, como tem sido a regra desta gestão, os ciclistas foram ignorados pelo jovem prefeito. Hoje, a Prefeitura não prevê nenhuma nova ciclovia ou ciclofaixa na região do Butantã— mas fez questão de anunciar diversas remoções na área, sem diálogo público nem fundamentação técnica. O projeto chega ao requinte de crueldade de planejar a remoção de uma rede de 9 ciclofaixas, interconectadas no chamado "fundão da Raposo Tavares", atendendo claramente a interesses do mercado imobiliário, que está em vias de construir uma série de condomínios na região.

Esse não é o único ponto da cidade onde o ciclista será esquecido, mas o recapeamento não — o farto dinheiro para o asfaltamento (500 milhões de reais somente para este ano) é obtido em operações no mercado financeiro, ou seja, através de endividamento, enquanto em outras áreas a verba é reduzida e reina o discurso seletivo da austeridade fiscal.

O fato do asfalto passar e a ciclovia ficar para depois prova mais uma vez que a Prefeitura do tucano Bruno Covas tem lado - vê o transporte motorizado e poluente como prioridade, enquanto a mobilidade popular é abertamente negligenciada, sobretudo fora do centro expandido da cidade. A política do Acelera sempre andou na contramão das práticas já consolidadas em todo o mundo civilizado, e faz dos ciclistas e pedestres suas maiores vítimas.

Enquanto isso, os ciclistas seguem pedalando diariamente nos corredores, resistindo mesmo sem a segurança que merecem.

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