OS APLICATIVOS DE ENTREGA SÃO MUITO PIORES DO QUE VOCÊ PENSA

8 consequências nocivas do crescimento dos apps de delivery

Bicicleteiros
7 min readJul 3, 2020

Texto: George Queiroz
Fotos: Luciana Cury

Foto: Luciana Cury

No dia 1 de julho de 2020, milhares de ciclistas e motociclistas que trabalham em aplicativos entrega, os chamados entregadores, fizeram a sua 1ª greve nacional, chamada de #BrequeDosApps. Essa foi a primeira grande paralisação promovida pelo novo precariado da era digital, uma numerosa massa de jovens que procura seu lugar no mercado de trabalho após a recessão econômica de 2015/2016, seguida da reforma trabalhista aprovada em 2017 e tendo como única opção prática aderirem às novas tecnologias de contratação de serviços, a chamada “uberização”.

Longe dos sindicatos e articulados em grupos de Whatsapp descentralizados, esses trabalhadores se manifestaram de forma ainda anárquica, pedindo a reconquista de direitos básicos, que vão desde receberem equipamentos de segurança contra a Covid-19 ao de não serem demitidos sem justa causa.

A manifestação foi um sucesso nas ruas e nas redes, mas as empresas envolvidas sequer se pronunciaram sobre as reivindicações levantadas. Não precisam, pois o massivo exército de reserva de desempregados que eles têm a disposição (número que cresceu com os novos desempregados da pandemia de Coronavírus) faz com que nenhum aplicativo tenha que se preocupar com falta de mão de obra tão cedo.

A perversidade desse modelo de negócios que está sendo consolidado pelos aplicativos vai além da exploração dos trabalhadores.

Listamos algumas das maldades que muitos desconhecem.

1. OS APPS COLETAM SEUS DADOS DE CONSUMO e VENDEM PARA TERCEIROS

Os aplicativos não vivem apenas do transporte de refeições. São empresas de alta tecnologia, e cada entrega intermediada por eles significa o acúmulo de informações detalhadas dos hábitos de consumo de milhões de clientes como você. Esses dados são moeda valiosíssima no setor de varejo. Se antes cada restaurante montava a sua base própria de clientes, agora eles vendem às escuras, pois os apps são os donos dos cadastros tanto de seus clientes quanto de milhares de estabelecimentos concorrentes.

Esses dados são vendidos para gigantes da indústria alimentícia, como Coca-Cola, Nestlé e Ambev. Monitorando os hábitos de compra dos clientes nos mínimos detalhes, podem planejar como influenciar seu consumo futuro.

Reportagem Terra

2. ESTÃO MATANDO MOTOBOYS E CICLISTAS NO TRÂNSITO

Mortes de ciclistas e motociclistas em acidentes de trânsito estão aumentando no Brasil, mesmo durante a pandemia, e os aplicativos de entrega têm relação direta com essa tragédia.

O recente aumento do número de entregadores nas plataformas, muitos iniciantes no sistema, significa mais condutores inexperientes nas ruas. Recebendo valores cada vez mais baixos por entrega, o entregador se vê obrigado a arriscar mais para chegar rápido. A necessidade de fazer jornadas longas e exaustivas para atingir metas e pagar dívidas se reflete com clareza nas estatísticas de fatalidades. Assim, essas mortes colocam mais uma página no sistemático extermínio da população jovem, negra e periférica do país.

Reportagem G1

3. ESTÃO LEVANDO PEQUENOS RESTAURANTES A FALÊNCIA

Os verdadeiros micro-empreendedores, como restaurantes e lanchonetes de bairro, têm sido tão prejudicados pelo sistema quanto os entregadores. Pequenos negócios locais hoje são obrigados a trabalhar com margens de lucro mínimas para pagar as taxas dos apps, que podem chegar a 30% de cada compra. Os estabelecimentos que não aceitam as promoções impostas são sutilmente escondidos da interface e acabam fechando.

Matéria BBC

4. CRIAM RESTAURANTES CLANDESTINOS PRA LUCRAR DE PONTA A PONTA

Muitos dos restaurantes que aparecem na interface dos aplicativos empreendimentos falsos. As chamadas “dark kitchens” são criadas pelos próprios aplicativos para atender demandas locais, descobertas através da análise dos dados de consumo que você fornece ao usar o aplicativo.

Esses restaurantes fake não tem porta, só vendem via delivery e o aplicativo o privilegia nas buscas, pois nesse modelo o lucro é duplo. Gando vantagem competitiva, eles canibalizam pequenos negócios locais e consolidam um mercado onde somente grandes empresas sobrevivem.

Reportagem BBC

5. ESTÃO CRIANDO UMA MASSA DE TRABALHADORES INFORMAIS

Com milhares de trabalhadores rodando pelas cidades diariamente sem vínculo formal com nenhuma empresa, os aplicativos de transporte e entregas são hoje grandes responsáveis pelo impressionante índice de 40% de informalidade no país.

Esse dado é anterior à pandemia. Trabalhando sem nenhum dos direitos históricos dos trabalhadores, à margem da legislação protetora, essa massa não contribui e não tem acesso aos mínimos mecanismos de solidariedade social. Estes mecanismos tendem a ser desidratados, ampliando ainda mais a desigualdade econômica e social, conforme prevê a cartilha básica do liberalismo.

6. A UBERIZAÇÃO TOTAL É UM PROJETO DE TODO O CAPITALISMO

Os mecanismos perversos de trabalho consolidados pelos aplicativos já estão sendo aplicados em outras áreas. Setores importantes como ensino, venda de imóveis e até faxina estão sendo dominados por esse modelo, que terceiriza custos para o trabalhador e potencializa a acumulação.

A tendência é que cada vez mais setores se transformem de forma parecida, e o que é exceção deverá virar regra em breve. A próxima área a ser “uberizada” poderá ser a sua.

Texto: Ricardo Antunes — Outras Palavras

7. NEM EMPREGADOR, NEM EMPREGADO: TRABALHADORES NO LIMBO JURÍDICO

Com o valor da entrega variável definido por inteligência artificial, não há negociação de valor entre a empresa e o contratado. Ou o entregador aceita o valor imposto pelo algoritmo ou ele é bloqueado do sistema.

Assim, ele não conta com as vantagens de ser empreendedor nem usufrui dos direitos de um empregado registrado. A justiça do trabalho não sabe lidar com isso, as interpretações dos juízes variam e os trabalhadores seguem desvinculados, sem direitos e sem mesa de negociação.

Texto: Wallace Antonio Dias Silva — Justificando

8. UMA BOMBA RELÓGIO PARA A SAÚDE PÚBLICA

Ciclistas pedalando 100km por dia carregando pesos nas costas, mal alimentados, usando bicicletas de baixa qualidade. A força de trabalho, naturalmente jovem e inexperiente, não terá como manter a saúde física por muito tempo nessas condições.

Acidentes de trabalho e problemas físicos crônicos são a consequência natural desse regime de um trabalho feito na informalidade. Em algum momento é o SUS e Seguridade Social, que existe com o dinheiro dos seus impostos (não o dos apps) que terá que assistir essas pessoas, ou eles serão descartados.

Matéria: Itatiaia
Foto: Luciana Cury

Por essas e (muitas) outras, apoie a luta dos entregadores. Organize-se na luta do seu setor de trabalho, seja qual for. Esqueça os aplicativos de delivery e cozinhe sua comida. Se precisar, prestigie o comércio local, que entrega produtos com responsabilidade. Avalie negativamente esses aplicativos nas lojas virtuais. E muito cuidado com a exploração em pele de inovação.

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